O desconvidado

cafeee

 

Oi, tudo bem?

Entra, senta aqui do meu lado

Como você está? Eu estava acabando de tirar os últimos resquícios de poeira, estive fora por um tempo

Vou fazer um café pra gente, só um minutinho

Aqui está. Vamos conversar?

 

Às vezes um medo enorme aparece, cheio de dedos apontados e sombras monstruosas, então uma coisa acontece: à medida que ele cresce, você diminui, enfraquece, ele fica maior, mais alto, forte, até ocupar todo o espaço disponível. Às vezes é melhor desaparecer nem que seja por um tempo, sumir principalmente dos lugares que esse desconvidado gosta de ir com mais freqüência. Funciona também tentar ficar invisível, imóvel, repensar tudo que te fez atraí-lo, mas isso é muito pessoal, varia de pessoa pra pessoa, tem aquelas que não precisam desaparecer, conseguem levar a vida como se estivesse tudo bem, e quando o desconvidado aparece, simplesmente olham para o lado, fingem não vê-lo, se ocupam com outra coisa, e vão tentando levar a vida. O problema é que ele não agüenta ser ignorado, tem uma sede enorme de ser notado, atendido, bajulado, e até que receba atenção, não se satisfaz.

Pode-se tentar adiar ao máximo o dia em que terão que recepcioná-lo, acarinhá-lo, olhá-lo bem nos olhos, servir uma bebida e chamá-lo para um conversa. Esta conversa pode acontecer de forma suave ou estrondosa, violenta, amarga, depende do tamanho, do peso, do quanto foi alimentado, ignorado, de quanto bagagem ele carrega.

O desconvidado tem uma função, ele tem um alto cargo na nossa existência, dizem que temos dois sentimentos básicos na vida: o amor e o medo, todos os outros são variações deles. O desconvidado tem uma inveja enorme do amor: Às vezes ele observa o quanto seu rival é procurado, assediado, caçado, desejado, implorado para fazer parte da vida das pessoas, o quanto é tão bem recebido, tão bem tratado. Ele olha toda essa atenção que o amor recebe, e não agüenta, quer também fazer parte, e quando ele chega e se sente bem vindo, notado, bem recepcionado, um acordo é feito, tudo fica bem. Ele sabe que pode ficar por aqui, mas vai ser sempre vigiado. Não tem problema. Medo ama atenção. Um pouquinho de medo bem acolhido é bom para fortalecer o amor, para torná-lo mais seguro, alerta, balanceado. Mas o amor, esse descuidado, às vezes deixa brechas, e o medo que está sempre alerta pensa, ah, acho que eu posso crescer um pouquinho, ele cresce, e gosta do que sente, e então vai preenchendo espaços, ganhando formas, atenção, mimos, num crescente vertiginoso, o equilíbrio é perdido e algo tem que acontecer.

Às vezes a pessoa consegue perceber tudo isso sozinha, as vezes precisa de alguém que saiba lidar com esse desconvidado, alguém que saiba amansá-lo, que o faça repensar, entender que nunca será abandonado, fazê-lo diminuir um pouco de tamanho, alguém que diga que ele tem um papel especial, vital, sempre fará parte da vida, até que ele se acalma e fica sob controle novamente.

Esses dois brigões nem sempre convivem mal, podem passar anos numa convivência harmoniosa, equilibrada, mas um está sempre de olho no outro, sondando, medindo.

O amor bate na porta com um ramalhete de flores, um presente inesperado, o medo logo fareja e lança uma pequena suspeita, o amor lança um elogio, o medo logo desconfia da sinceridade, o amor tenta sempre fazer o bem, o medo tenta ver a má intenção incutida, o amor te dá oportunidades, o medo te faz questionar o merecimento, o amor te diz que está lindo, o medo questiona sobre o que vão achar, o que vão dizer, o amor te diz pra fazer, e o medo te aconselha: melhor não..

Mas hoje o medo, esse desconvidado, ganhou bastante atenção, estou me sentindo corajosa, vou abrir mais espaço para o amor.

Um comentário em “O desconvidado

  1. Exatamente isso!!!
    “O amor descuidado deixa brechas e o medo vai preenchendo os espaços..”
    Perfeito!!
    Nunca tinha pensado nisso…
    Achei interessante as colocações no final… eh bem isso mesmo…
    Ah medo… seu danado!!!! Rsrs..

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